Arte Marcial – Ego, Vaidade e outras armadilhas

O mundo das artes marciais e, principalmente no Brasil, vem sofrendo uma grande crise de identidade devido ao ego e a vaidade.

Por sermos criaturas bio-químicas, queiramos ou não estamos confinados, pelo menos enquanto seres viventes deste mundo, a interagirmos com toda essa descarga química que rege nossas vidas diariamente. Somos uma grande farmácia de manipulação, uma indústria química que consegue produzir um elemento para cada coisa.

Tem química para a alegria, tristeza, paixão, stress, medo, coragem, raiva, excitação, bem-estar… Toda e qualquer emoção que tivermos, por mais que tenham tido seu estopim na mente e nas ações e interações do cotidiano, vai culminar no gerenciamento de alguma química pelo cérebro, que irá induzir e sentir tal processo, em sua totalidade, como uma emoção.

E como toda química, obviamente, algumas viciam. A princípio, não há problema nisso. O problema é quando as ações e estímulos necessários para que se inicie todo esse processo, acontecem de forma equivocada, atingindo negativamente os outros e a nível inconsciente, a si mesmo.

É aí que entra o papel do EGO… Muitos de nós vivemos exclusivamente em função dele, mas não temos a menor noção disso. Para Sigmund Freud (1856-1939), autor da teoria psicanalítica, o ego é uma instância psíquica relacionada ao princípio de realidade e age condicionado por nossos desejos, conscientes ou inconscientes, tornando-se a parte mais perceptível de cada um de nós.

Um bom exemplo das armadilhas do ego é a questão do “status” ou posição social. Desde cedo, somos massificados com a seguinte informação: “você é o que tem”. Alguém com um carro mais moderno, uma roupa de marca ou, trazendo para a realidade “prostituída” de graduações nas artes marciais, alguém com infinitas tarjas na faixa ou incontáveis certificados acumulados de “mestre” em diversas artes marciais que surgem “da noite para o dia”, consegue se sentir bem se exibindo em público e atraindo atenções para tal, sendo seguido por aqueles que sofrem do mesmo problema: É a manutenção do ego utilizando a ilusão do status.

O ego dá vazão a muitas outras armadilhas e, a principal delas é a VAIDADE ou, como muitos preferem dizer: o orgulho, a soberba. Reflexo de um mundo onde a competitividade é constante, muitos praticantes marciais acabam enredados e seduzidos pela ideia da atração dos olhares.

No mundo das Artes Marciais não é raro ver o surgimento de Federações e Confederações, intitulando-se “internacionais” e seus “presidentes, chairman” seja lá como se autodenominam, serem agraciados com a graduação máxima e, a partir daí, saírem presenteando em pseudo-seminários, graduações de “mestres” para aqueles que sofrem do mesmo mal… Ignorando tudo que a Tradição Marcial preconiza.

Porém, isso acontece em diversas outras situações do cotidiano, que visam atrair a atenção para si: Agressão verbal ou até física para inflar o ego e nos sentirmos poderosos, mesmo que às custas da humilhação alheia;   – Super-estimar posses materiais, ou o popular “contar vantagem”. “- Meu carro é melhor, minha roupa é de marca, meu tênis foi caríssimo”. “- Meu estilo (de luta) é melhor” e por aí vai… “O meu é sempre melhor do que o seu”, mesmo que na prática não me transforme em uma pessoa melhor.

E é assim… Um círculo vicioso de comportamentos que visam o bem-estar pessoal acima de tudo, baseando-se no egoísmo como principal propulsor, muitas vezes sem a menor autocrítica e piedade com o próximo.

Os mestres são na realidade os orientadores. Um mestre não é um deus a ser adorado. Mimo não estraga somente crianças. Existe também o adulto mimado, que é mais impertinente e egocêntrico.

Mesmo hoje, existem orientadores que gostam de bajuladores. Confundem o merecimento de respeito por ser o guia, terceirizando aos seus alunos todas suas necessidades particulares.

Há um grande equívoco de interpretação com relação à respeito. Respeitar, significa acatar, saber ouvir, dar atenção, ser atento ao que alguém tem a lhe ensinar, ter consideração. Não tem a ver com culto de personalidade, bajulação, tampouco a pagear alguém.

O mestre marcial é o guia, não o Caminho. O orientador nos guia pelo Caminho Marcial, mas não é o Caminho. Fazendo uso de um pensamento Zen, adaptando ao nosso contexto: O mestre é o dedo que aponta e nos mostra a lua. Se você aceita o dedo como sendo a verdade, jamais verá a lua. O bajulador é como um macaco que vê o reflexo da lua na água, e fica tão maravilhado que não consegue mais olhar para o céu e enxergar a verdadeira lua.

O Caminho é escolhido, porém, a forma de andar e o ritmo das passadas é responsabilidade do caminhante. O orientador é um companheiro de Caminhada, um conselheiro, ele nos mostra o Caminho que percorreu e a direção dentro da Via. Contudo, cada um tem as próprias pedras e obstáculos a superar neste Caminho. Mostre seu respeito ao orientador treinando com diligência e seriedade.

O orientador é um ser humano comum e, como tal, possui suas fraquezas, falhas, tem dias difíceis, tem dúvidas e às vezes tem vontade de desistir. São nessas horas, cruciais para o orientador, que o aluno deve demonstrar sua consideração. Mostrando através da seriedade dos atos e no treinamento que o trabalho do orientador vale a pena.

Aquele que deseja dedicar sua vida ao Caminho Marcial, desde o início deve começar a aprender a desviar destas “armadilhas”. Não se encante pelas lisonjas, saiba esquivar dos bajuladores. Principalmente, tudo o que fizer faça para si. Aos elogios do mundo, prefira os aplausos de sua própria consciência. Assim as correntes do Ego não serão fortes o bastante para aprisioná-lo.

Marcelo Winter
Faixa preta de Hapkido

* Com base nos textos:

“A armadilha das artes marciais” (http://eduardolara.comunidades.net/a-armadilha-da-vaidade-nas-artes-marciais)

“Muletas Psicológicas – As Armadilhas do Ego” (http://libertesedosistema.tumblr.com/post/5391274443/muletas-psicol%C3%B3gicas-as-armadilhas-do-ego)